domingo, 27 de julho de 2014

AF:. Fila do pão

Encontrei a mãe dela hoje.
Na maldita fila do pão...

Ela tava comprando pães 
E eu, adivinhe...cigarros.

Tentei fingir que não era eu
E quase funcionou, mais um pouco
E ela não me acharia atrás da barba.

Mas ela reconheceu.
Ela me viu embaixo daquilo,
Do misto de decadência e pelos. 

Uma conversa breve.
Sempre tão agradável.
Por um segundo achei que sairia ileso.

"Uma pena não ter dado certo,
Tu era o genro que sempre quis.
Adoraria ser avó dos teus filhos."

Se haviam dúvidas quanto ao efizema,
Ali eu tive certeza. Perdi todo meu ar.

Sai sutilmente apressado e fui.

Nem Deus sabe em que direção.
Só consegui pensar: filhos.

Imaginei ela grávida
Imaginei o parto
Imaginei dois
Imaginei crianças 
Imaginei domingos 
Imaginei uma família.

Espera.
Não, não vai.
Pode ficar, eu pago pela noite toda. 

Preciso terminar essa história. 

AF:. Sala de estar

Já não recordo de como era antes,
Antes de ti.

Tudo na minha sala já me é tão familiar.
Não faz sentindo ter sido diferente.

Mas era.
Nada era do jeito que é.
Não até tu decidir se mudar pra cá.

Tu disse que já éramos crescidos,
Que não tinha porque não
E que eu era covarde pra amar. 

Tu veio. Mudou tudo.
Eu gostei tanto. Eu amei tudo.
Todos os móveis da sala.

Até a primeira vez que tu,
Sem dizer os porquês,
Foi pro sofá no meio da noite.

Quase um ano até desfazer as caixas,
Menos de trinta minutos até tu fazer 
Aquelas malditas malas.

O decorador que ia "repaginar"
Todo o nosso lugar, 
Aguarda a minha ligação...

Há três anos. 

- Alô. 
- Boa noite, dotô. É aquela moça. 
- Boa, seu João.

Pode mandar subir. 

AF:. Pigarro

Essa tosse não passa.

O pigarro já nem incomoda mais 
Mas a tosse, essa sim me irrita,
Me irrita tanto.

Entrelaçados,
Rouquidão e a tosse seca,
Ditam o ritmo dos meus contos.

Uma dose ou duas de vodka,
Talvez ela aqueça minha garganta
E quem sabe, aqueça algo a mais. 

Outra crise de tosse. 

Essa tosse toda,
Parece que é meu corpo
Tentando expurgar algo....

...Não me espantaria se fosse você. 

Talvez eu deva ir ao médico, 
Ou parar de fumar,
Ou cessar as noites no sereno.

Mas nós sabemos que não seria eficaz
A minha cura vai aquém do meu corpo.

Não seria um remédio,
Não seria o título de Doutor 
E muito menos uma sombrinha.

No dia em que eu
Cuspir todo o pigarro
Misturado com teus restos
E teus dejetos 

A tosse cessará. 

AF:. Paloma

Arthur. Arthur Fernandes.
Meu nome.

Mas não era o que soava,
Destilado na tua boca parecia código.

Tu sabia que era eu,
Tu tem o meu número
E ainda sim, tu pergunta: -Qual Arthur? 

E não me escandaliza. É o praxe. 

Arthur, Artur, Silva, Souza
Quantos são? 
Nunca ousei perguntar.
Até hoje.

Se já não bastassem as antíteses..
Eu tenho que lidar com os paradoxos.
Como alguém tão cheio de alguens,
Me faz sentir único? 

É o teu trabalho. 
Tu não sabes mas é a poeta entre nós.
 
Constrói a melhor metáfora, 
Imprime a mais forte catarse,
Usa de todo o universsalismo
E faz de mim, um leitor extasiado. 

Tudo sem proferir uma única palavra. 



Pseudônimo

A.F: Arthur Fernandes. Escritor. Ainda que tenha conflitos constantes com a editora, bem sucedido. Arthur mora no Rio de Janeiro mas é paulista e as vezes morre de saudade do caos urbano porém não se imagina sem a boêmia carioca. Bebe pouco mas fuma demais, 2 ou 3 maços de cigarro não bastam pra um dia. Mas nem sempre foi assim, antes de seu relacionamento acabar ele fumava menos. Manoela e Arthur namoraram um ano e moraram juntos três. Ela decidiu embora. Ele nunca mais foi o mesmo. Hoje em dia, ele passa a maior parte do tempo na rua, observando pessoas, vivendo a vida de outros e escrevendo sobre nada. Sua única relação estável desde então, é Paloma. Uma prostituta que ele conheceu numa noite em que os amigos decidiram que iam "resgata-lo". Mas a maior parte do tempo, não há sexo, ele paga pra ser ouvido, ele paga pra cozinhar pra ela ou perguntar que camisa usar em uma entrevista. Arhur. Arthur Fernandes.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Ágora

Sobre a mesa vermelha:
Meu maço.

Ao meu redor
Três filósofos bêbados.

E eu. 
Eu que já não fujo mais de mentiras 
Ouço atento a toda aquela filosofia.

Religião, política, futebol 
As catástrofes do jornal 
As tragédias não anunciadas
O filho da vizinha que morreu 

Tanto que se diz, pouco que se ouve.
No tanto que se ouve, não há o que dizer.

A noite gelada me lembra o teu corpo 
Mas jurei que hoje não iria precisar de ti.

A Ágora se desfaz 
Os três filósofos bêbados 
São três bêbados filósofos.

Imerso no momento, me questiono:
Onde estará você essa noite? 
Em que casa,
Carro,
Rua,
Chão,
Bar,
Motel? 
Não quero saber. 

Eu jurei que não ia precisar de ti
Não essa noite.

Meu nome é sussurrado 
Acabou o expediente
Fechamos o bar.

Dos filósofos já não sei mais,
Os maços já se foram,
As mesas se empilharam. 

E tu? Cadê? 

Juro que é só mais uma vez. 

terça-feira, 15 de julho de 2014

Dama de preto

lençóis azuis, 
travesseiros brancos,
Teu cobertor marrom.

Alberto Caeiro,
Paz perpétua,
Marcela e Thiago.

Chet Faker,
Chico Buarque,
Tool.

Prestígio, 
Macarrão,
Café da tua mãe. 

Sobre-riso,
Seu cabelo,
Seus olhos.

Tu entrou não só 
No meu peito

Tu invadiu não só
Os meus gostos

Tu tomou não só 
O meu peito

Tu virou parte de tudo aqui.
A melhor parte.

Azul como teus olhos

São esses teus olhos azuis. Eu nunca me imaginei te dizendo adeus, nunca me imaginei te querendo longe, nunca pensei que pudesse te ver tão distante de nós. Mas não posso mais lidar com essa indiferença, não posso mais me imaginar querendo ser algo que não sou -e o pior de tudo que não é algo que eu possa mudar- não posso mais fingir que não ligo para os meus sentimentos. Não é justo. Não é certo. Não é mais o que eu quero. Te amar não foi um erro, não me arrependo nem por um segundo. Tu me deu coisas que ninguém pode tirar, tu me deu o livro que mais gosto no mundo, tu me ensinou que pessoas podem se bater, tu me ensinou que uma cama pequena basta pra quem quer estar junto, tu me ensinou a odiar Across The Universe e olha que é um dos teus filmes favoritos. Mas são esses teus olhos azuis. Eu não suporto mais viver completando as lacunas de algum vazio, eu não suporto mais ser o abrigo quando tu da errado, não aguento mais encobrir alguma merda qualquer, não aguento mais ser só o que te protege. Eu quero ser lacuna, eu quero te abrigar quando tudo está bem, eu quero que você me ame quando está feliz e não só quando está triste. E tem esses teus olhos azuis. Amo tantas coisas sobre você, amo tantos jeitos de você me tocar, amo o jeito como tu me beija e dps faz charme, o jeito que tu faz chantagem  com um beijo ou dois, quando tu faz merda e me agarra pra se desculpar, amo o jeito como tu se encaixa no meu colo e o jeito com o qual tu me chama pelo apelido e faz vozinha fofa quando eu te surpreendo. Eu sei que vou morrer de saudade de olhar dentro dos teus olhos azuis, eu sei que vou morrer de saudade da sua voz, sei que vou morrer de saudade do seu carinho e de tudo sobre a gente mas não podemos mais fingir. Eu nunca vou poder ser seu homem. E isso muda tudo pra você, né pequena?! Sabe que ainda me sinto culpada por isso?! Pois é, veja você como são as coisas. Eu desejo que tu encontre um que te faça muito feliz. E espero encontrar alguém que queira cuidar de mim, só um pouco pois tu sabe que eu nem sou de pedir muito. Eu te amei de todas as maneiras que pude mas eu simplesmente, não posso mais. Espero que tu se cuide e que fique tudo bem pra você. Te amo muito -sim, eu quase nunca digo isso mas eu te amo muito- e guarda contigo tudo que te dei pois tem umas ótimas partes de mim ai contigo. Nunca vou esquecer dos teus olhos azuis. 

domingo, 6 de julho de 2014

Feixe

Observo o feixe solitário de luz 
Sem se quer notar, me apego 
Percebo o motivo enquanto ele reluz 
A semelhança era era essencial.

O jeito com a qual trapaça as barreiras 
Com o qual traspassa a janela 
E ludibria a cortina.

O jeito ainda que meio intrujão
Soa o mais anfitrião dos convidados.

Não se deixa enganar 
Não se deixa impedir 
Não se deixa nem segurar

Me traspassa, me transborda
Me invade, me toma 
Me faz refém, me cativa 

Sem querer e sempre querendo,
Já sou um terço de feixe.

O feixe que nunca foi luz,
Que nunca foi feixe,
O feixe que sempre foi você.

Ciranda

Mal me quer, bem me tem 
E assim seguimos, meu bem.

Tu diz sim com jeito de não 
E eu respondo não com cara de sim.

Cê jura não ter nada
E eu juro nada ter. 

Cê mente que me liga,
Não liga,
E eu minto que não ligo.

Mal me quer, bem me tem

Cá que estamos, 
Do lado de dentro dos momentos,
Onde não deveria haver sentimentos.

Era o que dizia nas linhas
Mas somos analfabetos de amor.

E nesse finge lá,
Mente de cá 

Nesse esconde dai,
Oculta daqui

A gente vai cirandando
Em volta do que parece amor 
Mas é chamego.

Mal me tem, bem que me quer.